O prisioneiro de Yuma (Tex 540 - 542): Tragédia familiar e o crime


Algumas histórias de Tex são perseguições. Outras são mistérios. Outras, tiroteios frenéticos. Este arco aqui — espalhado entre Tex 540 (a partir da metade), 541 e 542 — é outra coisa: é tragédia familiar em ritmo de bangue-bangue, moldada na pena sempre afiada de Mauro Boselli e na atmosfera carregada de poeira, suor e humanidade que Alfonso Font sabe desenhar como poucos.

Essas três edições da Tex Mensal foram publicadas no Brasil pela editora Mythos, entre outubro e dezembro de 2014. Boselli dispensa apresentações: editor-chefe de Tex desde 2012, foi o criador da Tex Willer mostrando as aventuras do herói quando jovem, ajudando a juntar as peças dos quebra-cabeças em torno da cronologia do personagem. 

Sobre esse arco, tanto o roteirista como o desenhista concederam uma entrevista publicada no Tex Willer Blog.

Estamos diante de quase 270 páginas de um faroeste moralmente complexo, que não trata apenas de quem sacou mais rápido, mas de quem carrega o peso mais fundo.

A gênese do caos: uma família destruída e um banqueiro que brincou de Deus

O arco nasce do tipo de tragédia que o Velho Oeste produziu em série:

  • Uma família esmagada por um banqueiro inescrupuloso.
  • O pai morto entalado nas engrenagens da ambição alheia.
  • A mãe, na tentativa de salvar os filhos, acaba esmagada pelo mesmo destino.

E os garotos?

Dois gêmeos e um irmão mais velho. O mais velho desaparece no mundo. Um deles — ainda menino — comete o ato que sela o destino do trio: mata o pastor cúmplice do banqueiro, um ato de pavor, desespero e pura humanidade ferida. O Oeste os engole. Todos viram bandidos.

Quando reencontramos esses personagens, o estrago está feito: Durango e Kid Rodelo já são velhos conhecidos da lei — e de Tex. Rodelo já pode ser visto no arco Terras Malditas (Tex Mensal 476 - 477).

Edição 540 – O Prisioneiro de Yuma

45 páginas – Boselli & Font

A abertura do arco é seca, direta, eficiente: Durango volta a agir e ataca guardas da prisão de Yuma para libertar seu irmão, Kid Rodelo — numa das sequências mais cinematográficas da fase atual da série. A fuga explode o alerta militar e, claro, só existe uma dupla capaz de caçar os dois sem virar pó: Tex e Carson. O tabuleiro está posto. Os cães de guerra começam a correr.

Edição 541 – Jovens Assassinos

110 páginas – Boselli & Font

Aqui o arco ganha corpo. Boselli aprofunda o passado dos irmãos, amarra a origem do ressentimento, e puxa para o palco Jack Tigre e Kit Willer. Tex entende que não está lidando com bandidos comuns. Está perseguindo rapazes quebrados por dentro, que tiveram o azar de cruzar com a pior versão possível de um banqueiro do Oeste. A narrativa cresce em ritmo, violência e drama.

E Brooklyn não faria melhor: o roteiro vai cavando camadas morais enquanto a caçada avança. Nada é preto–no–branco. Nada é simples.

Edição 542 – Louca Vingança

110 páginas – Boselli & Font

Eis o clímax. Além dos irmãos Durango e Kid Rodelo, surge Dallas, a irmã — sedutora, perigosa, inteligente. A entrada dela transforma tudo: o arco deixa de ser só perseguição e vira tragédia grega com esporas.

O círculo de violência se fecha: os irmãos atacam filiais do banco; o banqueiro, movido pela paranoia, toca o terror; e uma multidão de caçadores de recompensa surge farejando a gorda grana oferecida pelas cabeças dos três.

Enquanto isso, Tex faz aquilo que o define há sete décadas: persegue, mas compreende; combate, mas observa; julga, mas raramente condena sem enxergar o coração do inimigo.

É nesse ponto que Boselli mostra a maturidade do seu Oeste: até os bandidos carregam faíscas de dignidade. Mesmo tortos, são humanos — e essa humanidade dói.

Sem spoilers, mas o final entrega aquilo que raramente vemos em Tex: uma forma torta de redenção, dura, sofrida e, ironicamente, mais honesta do que muitos heróis por aí.

Por que este arco merece um lugar especial no blog Arcos do Tex? Porque ele sintetiza o que a fase moderna de Boselli faz de melhor: Personagens motivados por dramas reais, não por caricaturas.

Violência que nasce de escolhas humanas, não apenas da ação pela ação. Tex como a bússola moral num mundo moralmente podre, sem perder sua dureza habitual.

Font entregando um Oeste vivo, expressivo, cheio de sombras internas e externas. Não é apenas um arco de perseguição. É um arco sobre a herança do sofrimento, sobre o ciclo da vingança, e sobre o ponto onde até a estrada do bandido encontra uma encruzilhada moral.

Se você gosta de Tex quando ele toca o drama humano sem perder o cheiro de pólvora, este é o arco. Se gosta de ver Boselli destrinchando personagens como se fossem feridas abertas, este é o arco.

Se gosta de ver Font recriando fronteiras poeirentas e olhares que falam mais do que diálogos — este DEFINITIVAMENTE é o arco.