Nesse épico do cinema bang-bang, uma diligência repleta de personagens distintos precisa cruzar território indígena hostil. Mas Boselli não se limita a reverenciar a sétima arte: ele a reinventa. Adiciona camadas psicológicas, costura múltiplos grupos em movimento e constrói um painel complexo de moralidade no Velho Oeste.
Aqui é Sommer quem desenha — e faz isso com uma força gráfica que combina muito bem com o tipo de história que Boselli gosta de escrever: movimentada, cheia de viradas e com personagens que dizem tanto no rosto quanto nas palavras.
Um Oeste lotado de conflitos — e todos em rota de colisão
O ponto de ignição da saga é a divisão do fruto de um assalto ao Banco de Cameron, frustrada por Tex e um grupo de homens da lei, em Silver Lode. Os representantes da lei foram avisados da ação do bando de Scott Dunson que iriam se reunir na cidade-fantasma de Silver Lode para proceder a divisão do espólio de Cameron. Com a ação de Tex e seus amigos, Dunson e um jovem impetuoso chamado Morris são os únicos que conseguem sobreviver e fugir.
Agora a história chega na última diligência da cidade mineira de Warlock que está prestes a se tornar mais uma cidade-fantasma do Oeste americano. Não por acaso, um personagem ainda não revelado de ligação com o bando de Dunson está no veículo assim como Morris que forçou a barra para conseguir o último bilhete nessa travessia da diligência. Disfarçado como Steve Barret, Tex consegue vaga no teto do veículo, assim como John Wayne no filme original e Alex Cord, na refilmagem de 1966.
É aqui que Boselli aciona sua engrenagem narrativa típica: três forças paralelas, todas com interesses próprios, todas convergindo para o mesmo ponto.
O bando de Dunson, tentando reencontrar seus cúmplices e recuperar o fruto do assalto.
Os Apaches de Loco, interessados tanto na diligência quanto nos saqueadores.
Águia Branca e seus dois batedores, ligados aos casacas-azuis, que representam a visão indígena moderada — e, no fim das contas, a fronteira moral da história.
E no centro da roda, a diligência. Um microcosmo do Oeste: cidadãos inocentes, soldados, aproveitadores e… a senhorita Anabelle, que vai se revelar peça-chave no desfecho.
Boselli expande o modelo clássico com drama humano
Se no filme de 1939 e 1966 o suspense vinha do trajeto e da ameaça indígena, na versão de Boselli o perigo é multiplicado: cada grupo entra na jornada carregando seus próprios demônios — e todos estão armados. O que, num western menor, poderia virar caos, aqui se organiza em espiral narrativa, empurrando a trama para um confronto inevitável.
Sommer merece crédito por transformar essa espiral num espetáculo visual. A movimentação dos cavalos, a claustrofobia da diligência, os ataques súbitos, a tensão noturna na mina — tudo ganha contundência gráfica. Há páginas inteiras que parecem quadros de um western italiano de primeira linha.
O cerco na mina: a virada ética da história
O auge emocional do arco está no cerco dos Apaches, que capturam parte do grupo e iniciam torturas durante a noite. É um momento de brutalidade crua, muito “Boselli”: os limites morais dos personagens são testados, e o leitor percebe que alguns bandidos não são tão bandidos assim… enquanto outros são piores do que pareciam.
É aqui que Scott Dunson cresce. O que poderia ser um vilão comum ganha contornos éticos inesperados. Ele salva Águia Branca e a esposa indígena de um mexicano (da estação) — de uma morte covarde no meio da batalha. E depois luta lado a lado com Tex, reconhecendo que há injustiças maiores do que seu próprio crime. Dunson sabe que tem contas a acertar, mas não aceita ver inocentes sendo massacrados.
Poucos westerns conseguem essa inversão moral sem parecer artificiais. Aqui funciona.
E a traição? Claro que há traição — estamos falando de um arco do Boselli
Ao final, a máscara cai: a mente financiadora do assalto era a própria senhorita Anabelle, passageira delicada da diligência, que manipulava o grupo com calculada frieza. Ela tenta fugir com Morris, o mais jovem do bando de Denson, mas ambos acabam mortos pelos Apaches antes do resgate. É um desfecho seco, duro, e muito fiel ao espírito Texiano: quem quer viver do gatilho precisa esperar a bala fatal.
Uma saga de duas edições, mas com peso de epopeia.
O confronto final, Tex liderando a resistência, Águia Branca e seus batedores lutando ao lado dos rangers, Dunson se redimindo — todo o arco culmina numa sensação de western épico. Não no tamanho, mas na densidade dramática.
Tex 452 e 453 – A Última Diligência é mais do que uma homenagem ao cinema western: é a prova de que o faroeste clássico ainda respira vigor quando passa pelas mãos de Boselli. A ação é impecavelmente construída, os personagens ganham profundidade inesperada e Sommer oferece um espetáculo visual que segura o leitor do início ao fim.
É Tex como Tex deve ser: indomável, humano, crítico e sempre pronto para lembrar que, no Oeste, justiça não é promessa — é prática.


